Carta a um(a) jovem profissional que está indeciso(a) se muda ou não de emprego

Recentemente fui consultado por uma pessoa jovem, para que eu a orientasse sobre mudar ou não de emprego e trocar um cargo operacional para assumir um cargo de gestão em outra empresa. Optei por escrever uma carta para essa pessoa com uma série de considerações que deveriam ser levadas em conta na questão em foco. Como eu sempre recebo pedidos de aconselhamentos desse tipo, optei por divulgar a parte mais importante dessa carta, logicamente sem identificar a pessoa que eu orientei. Se você tem uma oferta de emprego, está empregado e indeciso, eu sugiro que você leia este texto. É um pouco longo. Mas eu acho que vale a pena ler as doze considerações que eu fiz para a pessoa mencionada. Talvez você se identifique com essa situação. E, quem sabe, isso poderá ajudá-lo(a) a tomar uma decisão melhor.

 

Consideração #1 – Sobre ansiedade em decisões

Ficar ansioso(a) sobre uma decisão de emprego é absolutamente normal. Você vai enfrentar isso várias vezes ao longo da vida. Todas as decisões envolvem ganhos e perdas. As decisões que nos fazem ansiosos são aquelas nas quais não existe uma clara indicação de que os benefícios são maiores do que as perdas. E a vida está cheia de decisões desse tipo. Bem-vindo ao mundo dos adultos.

 

Considerações #2 – Sobre ser líder

Você está tendo que decidir se aceita ou não um cargo de supervisão. Cada um de nós tem aspirações. Se você deseja ocupar um cargo de gerência ou diretoria, é melhor aproveitar as oportunidades que aparecem para você subir na hierarquia das organizações. É mais fácil ser contratado como diretor, depois que você já foi diretor de uma empresa. As empresas não gostam muito de arriscar quando contratam pessoas que tomam decisões. Mas é bom estar ciente do que você deseja. As vezes enxergamos apenas o lado glamoroso de ser chefe. 

Mas, liderar sempre implica em alguns pontos que necessitam de reflexão, como por exemplo:

Ser líder implica em gostar de lidar com pessoas. Se você gosta de lidar com pessoas, isso não é problema. Mas se não gosta, então é um indicativo de que não tem vocação para liderar pessoas. Ser líder é obter resultados através de pessoas. Ser líder não é tanto sobre a sua inteligência ou o seu brilhantismo intelectual. Tem a ver com a sua capacidade de inspirar a sua equipe para obter resultados extraordinários.

Ser líder vai te afastar cada vez mais das atividades operacionais, como por exemplo, montar bancos de dados e relatórios. Se esse tipo de atividade te dá grande prazer, isso precisa ser levado em consideração. Chefe não monta bancos de dados, não monta relatórios e não faz análises estatísticas. Ele obtém isso através das pessoas que lidera.

Ser líder implica em viver constantemente lidando com incoerências, ambiguidades e conflitos. Quanto mais se sobe na hierarquia da empresa, as ambiguidades, as incoerências e os conflitos tendem a aumentar. E pode ter certeza de que isso não mudará.

Consideração #3 – Sobre ganhos

Dinheiro não é tudo na vida. Mas pode ter certeza de que é muito importante. Sem dinheiro nossas vidas se tornam limitadas. Também é verdade que grandes fortunas também nos limitam por questões de segurança pessoal. Pessoas muito ricas exercem forte atração de malandros querendo se aproveitar. E onde está o seu tesouro material, lá estará seu coração, pelo menos em parte. Mas acho que esse não é o caso em foco, certo? Querer ter um bom patrimônio ajuda na parte mais sensível da vida, que é quando ficamos velhos. 

A velhice nos impõe limitações que são impossíveis de vencer. E quem não fez o pé de meia até uma certa idade, poderá ter uma velhice difícil. Então, se você tem uma oportunidade que te permita aumentar os seus ganhos, considere a oportunidade. Ter dinheiro é um aspecto importante de nossas vidas. Mas não se esqueça também que o ganho ao trabalhar numa empresa não é exclusivamente financeiro, seja em dinheiro ou na forma de benefícios, como por exemplo, plano de saúde. Existe o benefício da aprendizagem, que é muito importante. Trabalhar numa empresa que não oferece ganhos de aprendizagem não é algo interessante num mundo que muda o tempo todo. Por fim, existe também a remuneração afetiva, que é aquela que ganhamos ao fazer parte de um grupo social interessante. Por isso leve sempre em consideração esses três ganhos: o financeiro, o de aprendizado e o afetivo.

 

Consideração #4 – Sobre correr riscos

Correr riscos é uma constante na vida. E a vida tem seus perigos. Algumas pessoas se agarram a qualquer situação que pareça ser segura para não correr riscos. Como sabemos, não existe segurança absoluta em nada. Mas é certo que a melhor idade para correr riscos é quando somos jovens. Ser jovem implica em ter mais vigor físico, ter mais energia, ter sentidos mais aguçados, ter a mente mais apta para aprender e ser capaz de aguentar coisas que uma pessoa mais velha não consegue. A percepção de invencibilidade e de que a velhice e a morte nunca chegarão (ou que vão demorar a chegar), se desfará em algum momento. E quando a percepção de invencibilidade se vai, nos tornamos frágeis. Então, se você precisa ou quer correr riscos, a hora é essa, enquanto você ainda é jovem. Você tem o tempo a seu favor. Se você errar, ainda existe tempo para manobrar a sua vida e chegar num porto mais interessante.

 

Consideração #5 – Sobre ser exigente consigo mesmo

Pessoas capazes de se absolver por de seus erros tendem a ser mais felizes. Todo mundo comete erros. É do ser humano cometer erros. Mas existem pessoas que são muito exigentes consigo mesmas. Talvez esse seja o seu caso. A vida não é uma competição no qual temos que ganhar algum prêmio. A vida é uma jornada que deve ser apreciada em todos os seus aspectos, sejam eles positivos ou negativos. A vida é como um curso que se faz numa escola. Você tem que sair da vida melhor do que entrou. E quando falo em melhor, não estou necessariamente dizendo melhor em termos financeiros, embora isso tenha a sua importância para garantir o seu bem-estar. 

Estou me referindo a conseguir enxergar a beleza da experiência da jornada da vida. Ser excessivamente exigente e rígido consigo só vai trazer amargura porque é líquido e certo que você cometerá erros ao longo da vida. E todos nós cometemos erros. Alguns erros serão graves e será difícil de você se perdoar. Eu não conheço ninguém que não tenha seus arrependimentos. Felizmente o tempo nos ajuda a conviver com os nossos erros. Com o passar do tempo, compreendemos que os erros cometidos no passado foram fruto da nossa trajetória, do contexto que em que vivíamos, da maturidade que tínhamos naquele momento e de muitos outros fatores que não podíamos controlar.

 

Consideração #7 – Sobre desafios

É melhor ser uma pessoa que enfrenta desafios e que dá a si mesmo a chance de obter grandes resultados do que ficar preso num meio termo cinzento onde você não é um fracasso e nem é um sucesso. O meio termo pode custar caro. Veja o setor público, por exemplo. Ser um funcionário concursado em uma repartição pública garante emprego estável por toda a vida em nosso país. Mas trabalhar numa repartição pública nem sempre garante a felicidade. Não é à toa que o setor público gera muita insatisfação nas pessoas que nele trabalham. Não tem desafio. É muito difícil a pessoa mudar a cultura do local de trabalho. Existe uma tendência de “calcificação” da pessoa. Se seu emprego atual é seguro, mas pode “calcificar” a sua carreira, considere correr o risco de mudar de emprego, especialmente agora que você ainda é jovem. Mas se você não se sente confortável com desafios, tudo bem. Ninguém é obrigado a aceitar desafios ou ser um sucesso conforme os padrões da sociedade. O sucesso é ser feliz.

 

Consideração #8 – Sobre seu coração

Não devemos subestimar a influência das nossas emoções em nossas ações. Certas escolhas são contrárias à nossa essência. Pode ter certeza de que agir contra a sua essência terá consequências muito ruins. Não é incomum ver gestores adquirirem doenças psicossomáticas por conta de fazer coisas que a sua essência não permite. Se você tem certeza de que o novo emprego vai gerar esse tipo de coisa, saia. Mas busque distinguir dificuldades, ambiguidades e conflitos que você vai enfrentar das coisas que vão contra a sua essência. 

Todo trabalho de um líder envolve dificuldades, ambiguidades e conflitos. Mas isso não quer dizer que essas coisas vão contra a sua essência. Ir contra a essência é obrigar você trabalhar com cálculos e computadores quando na realidade a sua essência deseja ter contato com pessoas ou vice-versa. Para alguns é melhor ser professor de matemática e física do que ser um engenheiro calculista que interage pouco com pessoas. Para outros é o inverso. Só você pode desvendar a sua essência. Terapeutas, conselheiros, pais, parentes e amigos podem ajudar no processo de descoberta da sua essência. Mas essas pessoas não têm a capacidade de desvendar seu coração. Só você pode fazer isso. E, por vezes, mudar para um emprego desafiador pode ser exatamente o que você precisa para descobrir o que não gosta de fazer.

 

Consideração #9 – Sobre seu chefe atual

Você tem a sorte de ser amigo do seu chefe e de ter uma relação saudável com ele. Achar que trocar de emprego pode “queimar” a relação com ele é uma preocupação válida. Mas lembre-se de que o mundo dá voltas. Seu chefe de hoje pode vir a ser o seu subordinado de amanhã. Só um chefe muito idiota se ofende quando um funcionário dele troca de emprego por uma posição com melhores perspectivas em outra empresa. Se ele ficar magoado com você por isso, talvez ele não seja um chefe tão bom quanto você imagina. Procure sempre deixar as portas abertas. Mas lembre-se de que o seu chefe também poderá mudar de emprego de uma hora para a outra. E você pode ter a certeza de que a importância da opinião da equipe dele sobre a mudança de emprego que ele fará provavelmente é bem menor do que você pensa.

 

Consideração #10 – Sobre mudar frequentemente de emprego

Na minha época de juventude havia uma ideologia de que as pessoas deviam ficar no emprego a vida toda. Troca de emprego era visto como algo ruim. A realidade do mercado atual é bem diferente. Lógico que se você não consegue ficar nem por alguns meses em um emprego, isso é sinal de problema. Você pode trocar de emprego com certa frequência, desde que essas trocas mostrem que você as usou para evoluir e para aumentar o seu potencial de contribuição. Não se esqueça, porém, de sempre entregar resultados, mesmo que sua estadia numa empresa seja breve. Quando você contribuiu com resultados concreto, isso mostra ao mercado que você é uma profissional desejável. Afinal não é qualquer um que consegue trocar de emprego com certa frequência, assumindo funções cada vez mais importantes. O ponto chave é sempre ser capaz de demonstrar a contribuição que você dá para as empresas nas quais trabalhou. Isso chama muito a atenção de outros potenciais contratantes.

 

Consideração # 11 – Sobre a pressão social

Quando vamos tomar uma decisão é certo que existe a pressão social por parte do companheiro ou companheira, por parte da família, dos pais ou dos grupos sociais nos quais transitamos. Frequentemente a opinião entre esses diversos atores são divergentes. E como a pessoa confia nesses atores, isso cria confusão em nossa cabeça. Numa situação dessas, algumas pessoas poderão dar orientações corretas. Mas nem todas serão capazes de fazer isso. A razão para isso é simples. Embora as pessoas de sua confiança gostem de você, elas nunca possuem as informações detalhadas sobre o contexto no qual você vive. 

O fato de termos pessoas que nos amam e que querem o nosso bem, não significa que essas pessoas podem nos orientar corretamente. Daí a importância de a decisão de troca de emprego ser pessoal. Perceba que as consequências da tomada de decisão sempre serão suas. Apenas em casos muito raros, as consequências da sua decisão de mudar de emprego vão respingar nas pessoas que o aconselham. E mesmo que parte das consequências recaia sobre alguém próximo, o fato é que o fardo principal sempre será carregado por você.

 

Consideração #12 – Sobre o futuro

O problema de lidar com o futuro é que ele é imprevisível. Não existem bolas de cristal que funcionem de verdade para enxergarmos o futuro e saber sobre as consequências das nossas decisões. Só o tempo diz se as decisões foram corretas ou não. Mas existe uma ferramenta bem interessante que nos ajuda a pensar sobre o futuro. Trata-se da identificação de:

 – Futuros possíveis;

 – Futuros prováveis; e

 – Futuros preferíveis.

Isso pode ser aplicado no seu caso. Qual é o conjunto de futuros possíveis na sua empresa atual e na empresa que está querendo te contratar? Qual é o futuro possível no emprego atual e na empresa que está querendo te contratar? E qual desses futuros é o preferível? Vale aqui fazer um exercício de futurologia. Fazer essas perguntas talvez ajudem você a dissipar suas dúvidas e temores.

Álvaro Camargo

Consultor, pesquisador, professor e palestrante com foco em projetos, modelos de negócio e capacidade de adaptação das organizações. Doutorando e Mestre em administração pela Universidade Mackenzie, MBA pela FIA/USP, certificado como PMP pelo Project Management Institute, Bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Paulista. Autor de livros técnicos e artigos científicos. Professor convidado da Fundação Getúlio Vargas, da Faculdade de Ciência em Saúde do Hospital Oswaldo Cruz e do Instituto BBS em Angola. Já atuou no Japão, Estados Unidos, Argentina, Colômbia e Angola. Sua carteira de clientes inclui empresas como Alcatel, Alstom, Berlitz, BioFuel, Brasif, Brastel Telecom, Caixa Econômica Federal, Camargo Corrêa, Cliba, Coca Cola, Consórcio Baía de Sepetiba, Consórcio Linea Uno, Consórcio Via Amarela, Duke Energy, Eletronorte, Embratel, Emplasa, Ferlex, GE Dako, Groupe SEB, GTZ GmbH, Instituto de Pesquisas Eldorado, Lucent Technologies, Merck Sharp & Dome, Networker Telecom, Novartis, Odebrecht, Roche, Safra, Syngenta, SPDM, Unemac, Totvs, Vésper, TV Globo, Voice Technology e Wtorre.

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