Mais que reservar vagas, é preciso incluir

PL que obriga empresas a reservar 3% das vagas para pessoas trans é um avanço relevante, mas não adianta separar postos de trabalho em organizações hostis.

O projeto de lei (PL) do deputado Alexandre Padilha (PT-SP) que reserva 3% das vagas em empresas com mais de 100 funcionários a travestis e transsexuais apresentado no Dia da Visibilidade Trans (29/1) tem tudo para ser um avanço na inclusão profissional de um dos grupos mais marginalizados da sociedade, se chegar a ser sancionado.

O Brasil é o país que mais mata transsexuais no mundo. A expectativa de vida da pessoa trans por aqui é de 35 anos. A maioria é expulsa de casa aos 13. Alienadas do ensino muito cedo, metade não conclui o ensino fundamental, 72% não terminam o ensino médio e só 0,02% alcança os bancos universitários. Como resultado, 90% recorrem à prostituição em algum momento da vida, que é para muitas a única fonte de renda.

Não é difícil concluir que os piores aspectos dessa realidade poderiam ser amenizados com uma política pública voltada ao acesso da pessoa trans ao trabalho formal, que no Brasil é muito baixo dada a grande exclusão educacional desta população.

Justiça seja feita às empresas com programas de diversidade e inclusão bem estruturados para pessoas trans e outros grupos. Elas existem, apesar de ainda não serem muitas. Mas a maior parte das oportunidades disponíveis às pessoas trans ainda é de baixa qualificação, informal e mal remunerada.

Há alguns anos, o Brasil instituiu a obrigatoriedade em lei de reservar entre 2% e 5% das vagas para pessoas com deficiência (PCDs). Com erros e acertos, esta política pública mudou o cenário da inserção profissional das PCDs no Brasil, apesar de ser possível avançar ainda mais.

Da mesma forma, a aprovação do PL da inclusão profissional da pessoa trans tem tudo para contribuir com a criação de um mercado de trabalho mais acessível e receptivo a este público. O texto, no entanto, precisa ser mais inclusivo.

Como está, o PL não prevê multas às empresas que descumprirem a obrigação de preencher 3% das vagas com pessoas trans, ao contrário do que acontece com a de inclusão de PCDs. Se ainda há empresas que preferem arcar com a penalidade a buscar PCDs no mercado e tornarem-se mais inclusivas, não é razoável esperar que a inclusão da pessoa trans vá acontecer sem sanções a quem descumprir a regra.

O PL avança ao determinar o fornecimento de identificação funcional, e-mail, cartões de visita, vale transporte e carteirinha do plano de saúde já com o nome social. Também inova ao prever o respeito à autodeclaração e expressão de gênero da pessoa, por exemplo, no uso de vestimentas e banheiros do gênero com o qual ela se identifica.

A propositura, no entanto, aborda com pouca profundidade a inclusão da pessoa trans na empresa, que vai muito além do acesso à vaga. Não adianta as empresas separarem vagas sem transformar a cultura organizacional para que seja mais inclusiva, acolhedora, livre de assédio e de piadas LGBTfóbicas. Este é um ponto que o projeto precisa explorar mais.

Se o ambiente de trabalho é hostil, pessoas trans ou de qualquer outro grupo minorizado não se motivam a compartilhar suas perspectivas. Não se gera o debate enriquecido por diferentes vivências que resulta em produtos e serviços melhores, mais rentabilidade, mais consumidores satisfeitos, mais inovação.

Vai caber às empresas preparar seus ambientes para receber o profissional trans, sensibilizando a alta liderança, a chefia imediata, os colegas para a convivência respeitosa. Se isso não for feito, a pessoa trans vai gastar mais energia se defendendo do ambiente do que produzindo, num processo que culmina com a demissão, com sorte sem litígio trabalhista.

As empresas também terão de investir na qualificação contínua dos funcionários trans dada a realidade educacional defasada da maior parte desta população e a difícil inserção no mercado de trabalho. Este ponto é crucial para mantê-los na empresa, para equiparar internamente as oportunidades e o propósito dos colaboradores na organização.

Se o PL da inclusão trans for aprovado, diversidade e inclusão na perspectiva da população trans vão ser obrigações legais. Mas não vão deixar de ser questões estratégicas para qualquer organização conectada com os anseios da sociedade e atenta a seu futuro e propósito.

Letícia Rodrigues

Especialista em Diversidade e sócia-fundadora da consultoria Tree Diversidade

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