O impacto de “Antifrágil” e “A cama de Procusto” nas sociedades, fusões e aquisições
Eu comecei a ler Nassim Taleb por A cama de Procusto: aforismos filosóficos e práticos, de 2010. Trata-se de uma de suas obras mais complexas ‒ como é um livro de aforismos para reflexão, o autor sugere que sejam lidos somente quatro de cada vez.
Se seguisse suas instruções, eu imagino que levaria cerca de dois anos para ler as 150 páginas. Mas, Taleb também é professor (do Instituto Politécnico da Universidade de Nova York) e como tem fama de ser irreverente e mordaz, me senti na liberdade de desconsiderar sua prescrição e minha leitura foi extremamente proveitosa.
Como um bom livro de cabeceira, suas reflexões se mostram saudáveis, pois o autor expõe as autoilusões que muitas vezes não conseguimos reconhecer fazendo referência a Procusto, personagem da mitologia grega que oferecia uma cama de ferro em sua casa aos viajantes que passassem pela Serra de Elêusis. Se os hóspedes fossem muito altos, ele amputava o excesso para ajustá-los à cama; e aqueles de baixa estatura eram esticados até atingirem o comprimento do leito. Nenhuma vítima se acomodava exatamente porque Procusto, na verdade, tinha duas camas de tamanhos diferentes.
Minha segunda leitura de Taleb foi Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, de 2012, em que ele define a antifragilidade como aquilo que desperta, reage e sobrecompensa-se diante de agentes estressores e de danos decorrentes da volatilidade do mundo.
Eu gostaria de ter lido ambos os livros assim que foram publicados, pois teriam sido bastante úteis em uma fase da minha experiência profissional na qual optei por um processo de sociedade seguindo uma cartilha de fusões e aquisições (mergers and acquisitions [M&A]) que me ajudou muito pouco.
Justamente por isso, acredito que este texto possa ser útil diante dos primeiros sinais de melhora em nossa economia, com o avanço da vacinação contra a doença por coronavírus 2019 (Covid-19) no Brasil. Apesar do número de pessoas vacinadas ainda se encontrar longe do desejado, tenho ouvido diversas discussões sobre as oportunidades da retomada mediante M&A e compartilho aqui algumas reflexões inspiradas na minha experiência. Tendo em vista que o “antifrágil” nasce da própria fragilidade, da perda e da complexidade, para estarmos mais bem preparados é fundamental sustentarmos um planejamento sólido de mudança até atingirmos os resultados almejados.
Vamos lá:
Reflexão nº 1 ‒ Faça sua lição de casa: a Teoria do Elo mais Fraco (ou Teoria das Restrições), conforme apresentada por Eliyahu Goldratt, ensina que precisamos identificar em sistemas complexos qual recurso é o gargalo de nosso produto ou serviço e que devemos planejar os progressos e as inovações de modo subordinado a esse conhecimento. Quando duas empresas decidem unir-se, em teoria, todos estão bem-intencionados e buscam encontrar formas de entregar mais valor para cada um de seus stakeholders. Infelizmente, na prática, muitas dessas mudanças acabam piorando os resultados das duas organizações, pois a corrente sempre se rompe em seu elo mais fraco. Analogamente, ambas as empresas precisam entender seus respectivos gargalos antes de unirem-se, para que a otimização gerada pela fusão não leve a aumento da complexidade combinado a aumento da necessidade de capital de giro e possível prejuízo no curto prazo ou capacidade ociosa (ou o que seria ainda pior: todos esses problemas em áreas distintas em cada um dos parceiros).
Reflexão nº 2 ‒ Post hoc propter hoc: ou seja, a confusão entre correlação e causa. Não é porque ambas as empresas eram bem-sucedidas em cada um de seus antigos segmentos que haverá alguma relação causal de sucesso garantido no novo negócio. Infelizmente, se o entendimento adequado de cada um desses negócios com métricas realistas demandar muito tempo, não raro se deve voltar imediatamente à Reflexão nº 1.
Reflexão nº 3 ‒ O ego é nosso inimigo: eu gosto muito do autor Ryan Holiday, que aponta o ego como adversário interno citado por praticamente todos os grandes filósofos da história. As lições de estoicismo de Holiday se sobrepõem àquilo que o autor prega no livro O obstáculo é o caminho. Em geral, o empreendedor tem uma personalidade forte por natureza e seu espírito de liderança é acompanhado pelos atributos dos iconoclastas, como sugerido por Gregory Berns, e dos pensadores criativos, que têm a capacidade de ter ideias inovadoras ‒ porém, pensar que isso se traduz em superar o medo da rejeição social e implementar soluções disruptivas com facilidade é algo ingênuo. Fazendo referência a outro famoso escritor, Miguel Unamuno, de origem basca: “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”. A sobrevivência de uma empresa não está imune ao “ego” de seus executivos ‒ que, para o bem ou para o mal, faz parte dos atributos que serão absorvidos pela nova empresa, sim.
Reflexão nº 4 ‒ Não tenha medo de fazer inimigos: é, eu sei, logo depois daquilo que falei sobre controlar o “ego”… Todavia, como disse anedoticamente Margaret Thatcher à Rainha Elizabeth em cena da série de televisão The Crown, citando o poeta Charles Mackay:
“Não tem inimigos tu dizes, ai de ti, meu amigo. Não se orgulhe disso. Aquele que está envolvido no combate do dever, onde os corajosos enfrentam, deve ter feito inimigos! Se tu não os tem, pequeno, é o trabalho que fazes. Não acertastes traidor algum no quadril. Não arrancastes copo qualquer dos lábios perjurados. Nunca transformastes o errado em certo! Foste um covarde na luta”.
De uma maneira ou de outra, é impossível agradar a todos e é você quem dorme bem ou não quando encosta sua cabeça no travesseiro. É fundamental ter convicção em suas crenças e valores (e estes não são negociáveis). O imperador romano Marco Aurélio, que também se dedicou à filosofia (em especial ao estoicismo), lembra que temos poder sobre nossa própria mente ‒ mas não sobre os eventos exteriores.
Reflexão nº 5 ‒ Nunca pare de estudar nem de aprender e questionar-se: um guia prático desta reflexão conclusiva poderia vir da seguinte mensagem postada no Twitter do Daily Stoic:
“‒ Isso está sob meu controle? (Epicteto)
‒ Isso é essencial? (Marco Aurélio)
‒ Qual é o pior cenário? Estou preparado? (Sêneca)
‒ Onde eu falhei? Onde eu melhorei? Onde posso fazer melhor? (Sêneca)”
Desejo a todos bons negócios!