Sandro Magaldi é especialista em transformação de negócios sob os pilares de gestão estratégica, liderança e cultura organizacional
O ser humano é resistente por natureza a mudar. Em muitas situações, mesmo que a necessidade de transformação esteja evidente, ela só acontece de fato quando algum episódio negativo torna o processo inexorável.
Considerando que toda empresa é uma organização social, esse padrão de comportamento também é observado no ambiente corporativo. E assim está instalada a extrema dificuldade que as empresas enfrentam para se reinventar, mesmo quando os fundamentos que justificam essa transformação já estão presentes de forma inquestionável há bastante tempo.
Essa dinâmica fica evidente no processo de transformação de uma das organizações mais sólidas e tradicionais do Brasil. Me refiro ao Bradesco, que está em apuros devido ao recente balanço publicado, com números abaixo das expectativas. Como resultado, o mercado não hesitou em penalizar a companhia com uma redução no valor de suas ações (só no dia do anúncio, houve um declínio de 15% no preço).
O que mais chama a atenção, no entanto, é a resposta corajosa adotada pelo comando do banco. Cientes da necessidade de transformação, a empresa contratou a consultoria McKinsey & Company, que ao longo de dois meses dissecou o negócio e elaborou um diagnóstico. A partir dele, Marcelo Noronha, empossado CEO nesse período, transformou o resultado da análise em um plano de ação. Ato contínuo, veio ao mercado assumir que é necessária uma ampla reestruturação nas estruturas tradicionais da companhia para torná-la mais ágil, incluindo a redução de seus níveis hierárquicos, a expansão da equipe de tecnologia, além da incorporação de novos produtos e serviços.
A despeito de todas essas evidências, apenas quando os números financeiros traduziram esses desafios na prática é que a empresa decide implantar uma nova estratégia. Além da reestruturação, um dos pilares centrais do projeto é a contratação de 3.000 a 4.000 novos profissionais para a área de tecnologia. De acordo com seu CEO, o objetivo é melhorar a experiência dos clientes e acelerar a capacidade de desenvolvimento da companhia e de entrega de produtos ao mercado. Nas palavras dele, a empresa precisa “se mover muito mais rapidamente” do que no ritmo atual.
Não é de hoje que testemunhamos o avanço da tecnologia no setor financeiro. Visto por muitos com incredulidade em seus lançamentos, os bancos digitais, por exemplo, são uma realidade. Segundo uma pesquisa da consultoria de investimentos Finder, realizada em 2022, mais de 40% da população no Brasil já tem conta nessas organizações. Outra base de dados, do Banco Central, aponta que a mais bem-sucedida entre elas é o Nubank, cuja carteira de clientes no país supera a marca de 80 milhões, tendo apresentado crescimento de aproximadamente 25% de 2022 para 2023. O próprio Bradesco possui seu banco digital, criado para competir com as fintechs. Hoje, a “filial” digital do banco soma cerca de 15 milhões de clientes, número inferior a alguns dos seus principais concorrentes, como Original (53 milhões), Inter (29,2 milhões), C6 Bank (28,4 milhões) e Neon (22,1 milhões).
Por isso, outra medida que deve ser adotada por Noronha ainda no primeiro trimestre deste ano será incorporar totalmente a operação do Next pelo Bradesco. Hoje, a fintech já utiliza o sistema do Banco, mas tem gestão separada. Ao transformá-la em um segmento da sua operação, em vez de uma empresa à parte, a companhia ganha eficiência, aproveita sua capilaridade e adiciona ao portfólio do Next uma gama de produtos e serviços que já estão disponíveis no Bradesco sem precisar fazer novos investimentos. Movimento certeiro da gestão.
Em muitos casos, mesmo estruturas vencedoras, com líderes preparados e diligentes, têm extrema dificuldade em assumir suas fragilidades e decidir por mudanças relevantes. Recorrem a soluções cosméticas e superficiais que, por vezes, têm como objetivo apenas agradar ao público externo, sem mover estruturas enraizadas há décadas, que tornam a empresa inflexível e lenta. Apenas um conjunto de palavras bonitas, sem prática efetiva. Com o tempo, o declínio resultante dessa inflexibilidade se torna tão rigoroso que as condições para transformação se perdem, levando a empresa a um ponto sem retorno.
Não me parece que seja esse o caso do Bradesco, uma instituição poderosa e sólida. No entanto, como diz o ditado: a hora de consertar o telhado é quando não está chovendo. E, no caso deles, é melhor agir rápido, pois o dilúvio está cada vez mais próximo.
*Sandro Magaldi é especialista em transformação de negócios sob os pilares de gestão estratégica, liderança e cultura organizacional, atuando como escritor, pesquisador, palestrante e conselheiro empresarial. É coautor dos best sellers“Gestão do Amanhã”, “Liderança Disruptiva” e “Novo Código da Cultura”, além de outros cinco livros de negócios.