Apesar dos desafios culturais e de relacionamento com clientes, estado está entre os preferidos no radar da Alemanha em sua conexão comercial com o Brasil
A forte e estratégica relação de longa data entre o Brasil e a Alemanha vem ganhando novos e movimentados capítulos neste último bimestre de 2023, os quais prometem impulsionar o mercado já a partir de 2024. A reaproximação entre os governos dos dois países, especialmente no início de dezembro, com a visita oficial do presidente brasileiro a autoridades do país europeu, rendeu a assinatura de 19 acordos de cooperação bilateral, a maior parte relacionada ao meio ambiente, à bioeconomia e a desigualdades sociais.
Dias antes, uma comitiva oficial do governo do Paraná esteve na Alemanha. Uma das visitas foi à cidade de Wutha-Farnroda, na região central do país europeu, na tentativa de convencer a multinacional de sementes Petkus a escolher o estado da região sul para a instalação de seu primeiro parque fabril. A empresa alemã tem escritório no Brasil há dez anos, mas não possui uma unidade industrial e procura um destino em terras brasileiras.
Além de destacar o protagonismo do Paraná como um grande produtor agrícola, o governador explorou os investimentos na melhoria da infraestrutura viária do estado e do Porto de Paranaguá, assim como o projeto de instalação da Nova Ferroeste e o ambiente favorável para a atração de novos negócios.
“A Petkus é uma gigante da área de alimentos, a maior empresa de tecnologia na área de seleção de sementes e grãos para a produção de alimentos, com presença no mundo todo, por isso viemos, a convite dela, apresentar o Estado do Paraná, para que a gente possa ter uma indústria para atender o mercado brasileiro e da América do Sul”, disse Ratinho Jr na ocasião.
Caso se convença das vantagens apontadas pelo governador, a Petkus seguirá os passos da conterrânea Horsch, fabricante de máquinas agrícolas fundada em 1984 por uma família de agricultores alemães. A companhia é uma das cerca de 200 empresas associadas à Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha no Paraná. Ao todo, o país abriga mais de mil empresas germânicas.
A Horsch chegou em 2014 e, com tantas diferenças entre os países, os primeiros desafios começaram com a adaptação das primeiras máquinas da empresa. Ao chegarem da Alemanha, elas passaram por um processo de tropicalização. Ou seja, os equipamentos foram adequados às condições de solo, de palhada, de cobertura e de clima característico do sul do Brasil, como explica o gerente de Marketing da Horsch do Brasil, Maik Penner.
“Com o passar do tempo, os produtos passaram a ser desenvolvidos aqui, uma vez que a gente tem uma equipe de engenharia no Brasil”, afirma o executivo. Isso aconteceu em 2015. Dois anos depois, a empresa começou a trabalhar comercialmente no país. Na época, foi locada uma indústria para a construção das plantadeiras.
No início de 2023, foi inaugurada a fábrica própria, com uma área construída em torno de 35 mil metros quadrados sobre um terreno de 16 hectares. Outros 24 hectares em área vizinha também já foram adquiridos pela Horsch na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). “Uma fábrica nova e bastante moderna, que tem tudo para se tornar uma das maiores unidades da Horsch no mundo”, aposta Penner.
No Brasil, a empresa alemã atua com equipamentos de plantio, semeadura, pulverização, manejo de solo e tecnologia na parte de comunicação e telemetria. A companhia atende à boa parte do mercado agrícola do Brasil, com uma cobertura em torno de 50% da área de soja do país. “Pretendemos cobrir o restante do mercado no qual ainda não atuamos.”
A Horsch também enfrentou o desafio de encarar um país mais burocrático. Sabendo das diferenças e da complexidade do sistema tributário brasileiro, a empresa buscou minimizar os impactos. “Desde o início foi implantado o SAP [software de gestão]. Foi bom que entramos com isso lá atrás, pois hoje tudo caminha muito mais fácil, com todos os sistemas integrados aos da Europa”, revela.
Com relação aos produtos, praticamente todos são completamente adequados, adaptados e alguns totalmente desenvolvidos no Brasil, segundo Penner. “Isso porque as demandas do plantio direto no Brasil são muito diferentes das demandas da Europa”, explica o gerente de marketing.
No final de novembro, a comitiva do governador Ratinho Jr visitou a Horsch na cidade de Schwandorf, na Alemanha. Na ocasião, a companhia confirmou o Paraná como polo estratégico para produção. Na mesma viagem, o governador esteve na multinacional Ireks, gigante global especializada em ingredientes para panificação, confeitaria e alimentos.
O encontro tratou de uma parceria para a construção de uma nova fábrica para a produção de malte para a indústria cervejeira no estado. O investimento será de R$ 500 milhões e a planta será instalada em Guarapuava, na região Centro-Sul do Paraná.
Desafios culturais e nas relações com clientes
É verdade que o Paraná tem grandes vantagens, especialmente quando se fala em agronegócio, setor no qual tem grande relevância. Mas, assim como aconteceu com a Horsch, há diversos desafios que independem da melhor infraestrutura ou de números, e passam pela questão cultural, por prazos e pela forma de se relacionar com clientes.
Foi o que vivenciou a Oke do Brasil, líder no setor de manufatura de produtos plásticos para indústrias automotiva, eletrônica e moveleira. A unidade brasileira da empresa alemã, fundada em 1961, chegou ao município de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, em 2008. Em 2013, adquiriu um dos concorrentes para aceleração e hoje é líder absoluto no segmento. Além do mercado brasileiro, a Oke do Brasil exporta para a Argentina, Uruguai e México.
Presente no mundo todo, a companhia germânica viu o Brasil como uma localização estratégica na América do Sul. “O Brasil tem um mercado automotivo importante e Curitiba é o terceiro polo automotivo, uma região propícia pela mão de obra e por ser uma região mais barata que São Paulo, com custos atrativos”, justifica o diretor-geral da OKe do Brasil e Oke Automotive, além de conselheiro da AHK-PR, Emerson Nogueira.
O executivo relata que a empresa começou do zero, com equipe 100% brasileira e que muitos foram os desafios, desde a definição do local de instalação, passando pela prospecção de clientes e contração de pessoas, até toda a burocracia. O maior deles, no entanto, esbarrou na questão cultural. “É importante não querer usar as comparações com outros países. Cada país tem suas peculiaridades e situações. Não dá para querer aplicar 100% do que funciona num lugar em outro”, avalia Nogueira.
Depois de 15 anos em solo brasileiro, o executivo sugere que a empresa faça um estudo minucioso sobre o mercado e o comportamento dos clientes locais. “Não é igual à Europa. A empresa precisa conhecer o perfil do cliente brasileiro e saber o que ele espera. Apesar de ser o mesmo produto e o mesmo processo de fabricação, não é a mesma coisa. É essencial ter um conhecimento específico e investir em uma pessoa do local, que conheça a fundo cada peculiaridade, para obter sucesso.”
Nogueira sugere ainda a contratação de uma boa equipe jurídica para iniciar o processo de instalação da empresa, para seguir corretamente os procedimentos administrativos e evitar erros. “É importante ter bons contatos de advogados, saber o que é preciso em termos de licenciamento, assim como bons contatos de contadores e prestadores de serviço para a empresa que está chegando ou mesmo de conexão com empresas da mesma área ou locais e que possam se tornar parceiras”.
Conexão Alemanha-Brasil
A diretora-geral da Interprint, Lourdes Manzanares, destaca a AHK-Paraná como uma parceira essencial no papel de facilitar o caminho de chegada das empresas alemãs ao Brasil. Com unidades fabris em diversos continentes, como América do Norte, Europa e Ásia, em 2011 a fabricante alemã de papéis decorativos para o revestimento de painéis de madeira enxergou o Brasil como sua base para atender à América Latina, ainda sem uma fábrica da Interprint, e se instalou na região de Curitiba.
“Na nossa visão, a AHK Paraná realizou um trabalho 100% satisfatório e inclusive nos colocou em contato com o escritório de advocacia que nos assessorou na implementação da parte legal e administrativa e segue como nosso grande aliado até hoje. Além disso, a Câmara prestou um grande serviço de networking, especialmente na conexão com outros escritórios e prestadores de serviço que precisamos no percurso destes oito anos de fábrica”, afirma Lourdes.
Em 2015, com um investimento 31 milhões de euros (R$ 93 milhões, à época), a fábrica da Interprint foi instalada em um terreno de 70 mil metros quadrados, sendo 15,5 mil metros quadrados de área construída, com potencial de expansão de até 105 mil metros quadrados. Atualmente, são 120 colaboradores na Interprint Brasil e mais de 1.500 em todo o mundo.
Sobre a AHK Paraná – Estimular a economia de mercado por meio da promoção do intercâmbio de investimentos, comércio e serviços entre a Alemanha e o Brasil, além de promover a cooperação regional e global entre os blocos econômicos. Esta é a missão da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK Paraná), entidade atualmente dirigida pelo Conselheiro de Administração e Cônsul Honorário da Alemanha em Curitiba, Andreas F. H. Hoffrichter.